sexta-feira, 26 de julho de 2013

Da palavra "nunca"

Diz o ditado "nunca digas nunca". E eu que o diga, em menos de um ano bem posso morder a língua por duas razões diferentes.
Se há coisa da qual me lembro desde muito cedo dizer que não queria ser, com ar de 100% certeza, daquelas coisas que uma pessoa jura a pés juntos, era ser professora. Lembro-me muito bem de ter 6 ou 7 anos e de o dizer com a certeza e (agora que penso nisso) ar de sabichona típico dessa idade: posso ser tudo mas professora não! Nunca!.
Esta teima prolongou-se durante muitos anos e a "certeza" foi sempre reforçada verbalmente ao longo do tempo. Até à altura em que vou para a Universidade, num curso que nos 'obriga' a sermos de tudo um pouco, que nos ensina e mostra que se queremos ser bons temos de ser versáteis e não nos limitarmos aos básicos, procurar sempre alternativas e formas diferentes de conseguir um objectivo mesmo quando tudo já parece impossível. (no meu entender, um pouco como a Vida). Tudo porque o público varia desde a idade, à religião, à camada social, tudo. E os ambientes também.
Perdi conta a quantas apresentações tive de fazer. Falar para um público (independentemente do que fosse para quem fosse) foi sendo aprimorado, os nervos ensinados a serem controlados e as estratégias caso algo desse errado foram aprendidas. Se não me falha a memória o público mais numeroso que já tive à minha frente foi na casa dos trinta.
E trinta é (dentro da realidade que eu conheço) uma turma do 2º ciclo ou 3º ciclo.
Mas foi principalmente no último ano de Universidade que comecei a perceber que afinal ensinar para mim tinha um gosto embora sem admitir. Acabado o curso, pouco andei a fazer na minha área de formação em Portugal e passados uns tempos venho parar a Inglaterra (por opção) onde as formas de trabalho são um tanto ou quanto diferentes, bem como a forma de estar no trabalho e os ditos alunos de enfermagem.
Em apenas quatro meses de hospital já perdi conta a quantas vezes tive alunos sob a minha guarda. E a verdade é que não me importo um bocadinho que seja.
Já tive alunos que, pelo choque de diferença que é a formação daqui para Portugal, não iriam sobreviver a um turno no modo português.
E aqui nasce um problema para mim: exigir/esperar e ensinar em moldes portugueses.
Para se poderem situar um pouco, enquanto em Portugal nos ensinam anatomia, fisiologia, bioquímicas, farmacologia (e obrigam aos alunos a relacionarem tudinho, porquê este medicamento e não o outro que serve para o mesmo problema?), aqui em Inglaterra os alunos não têm nada disso. Nós em quatro anos de estudo aprendemos a fazer tudo (e efectivamente fazemos tudo enquanto alunos). Os alunos ingleses acabam três anos de estudos (maioritamente teóricos) e nunca puncionaram, nunca algaliaram, nunca entubaram, etc. Não sabem os básicos da farmacológica. Porque o foco deles é mesmo só o doente.
E é por isto que eu tenho um problema. Enquanto em Portugal o objectivo de um estudante mais o seu orientador é que no final do estágio o aluno seja capaz de dar resposta a um X número de doentes, aqui eu ainda não percebi muito bem qual é o objectivo. Eu vejo os alunos aqui apenas a trabalhar à tarefa e a darem-se com os seus mentores com uma confiança que me valham todos os santinhos, se em Portugal nós podíamos ser assim.. Mas adiante (que são realidades diferentes) e falando propriamente do que se passou.

Hoje no turno da tarde, tive comigo uma aluna que aparentemente pouco gosta de trabalhar, e a Enfermeira band 6 (designado por Sister) que estava só a fazer manhã, que a anda a orientar disse-me para eu pouco fazer e deixar para a aluna porque ela tinha de começar a chegar-se à frente e tomar rédeas, uma vez que está a poucos dias de acabar o estágio e de se formar enquanto enfermeira. Concordei mas como no fim do dia os doentes são sempre da minha responsabilidade eu iria sempre andar em cima dos acontecimentos.
Esta aluna, está há mais de um mês connosco, que supostamente ninguém gosta porque nunca faz nada, aparenta fazer mas meter as mãos no trabalho pouco se vê. A própria disse-me no inicio do turno que faria o penso da doente Y mais não sei o quê, disse-lhe que pusesse o nome dela no quadro com a hora do break dela pois assim consegue organizar melhor o que tem para fazer (coisa que nunca chegou a fazer e acabou por ir na mesma hora que eu, que de resto é o mais sensato). Chegada a hora de fazer o dito penso, em que eu estava era a empurra-la preparando-lhe tudo e não lhe dando espaço de manobra, tentou a todo custo livrar-se do trabalhinho. (mal sabia ela com quem veio cantar o fadinho).
Eu posso até ter passado pela má da fita, mas ela fez os sinais vitais todos, um penso de uma perna em que se vê o osso horrível, os registos dos doentes todos, tratou do transporte e exame de um doente que implicava preparação com contraste, tratou de uma alta, reviu a inserção de uma sonda nasogástrica e ainda fez medicação oral. Tudo numa tarde. E que não se queixe muito porque tinha os doentes mais independentes da enfermaria. Eram oito, e o normal costuma ser dez ou doze.
Acredito muito ter passado por má da fita porque normalmente os alunos por aqui muito pouco fazem e estão habituados a uma de "deixá-los andar, são só alunos", pouco lhes vai sendo exigido, têm o break quando querem, e pensam que quem os ensina são os melhores amigos (se ensino não sou amiga com certeza e ela percebeu isso) etc, mas daqui para a frente tenho de começar a pensar num meio termo porque no final deste ano a previsão é eu já começar a ter essa mesma responsabilidade de dar algumas luzes aos alunos e no espaço de um ano ser mentora (se bem que daqui até lá muita água vai correr).
Hoje foi só porque teve de ser, mas até ao fim do ano tenho mesmo de encontrar um equilíbrio nesta história.

Apesar de tudo, a verdade é que ensinar implica estar sempre actualizada, impede-me de um dia cair na rotina. E principalmente ensinar é como ver e participar nos primeiros passos de uma criança. São as bases para o futuro e eu estou muito feliz, e sinto-me uma sortuda, por me ter cruzado nos meus quatros anos de estudante com enfermeiros brilhantes (enfermeiros-piratas também, e um dia destes explico), das quais muitas vezes me lembro.

Sei hoje que se um dia eu acabar por dar aulas seja lá do que for, onde for, vou estar feliz.

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